PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
O fazer pedagógico proporciona possibilidades de crescimento, sempre. Esse espaço aproximará o trabalho daqueles e daquelas que atuam no cotidiano escolar para uma educação emancipadora.
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Profª Dinahmara Hild Ribeiro Leão
Coordenadora do Cefapro

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Leitura Reflexiva


"Profissão Professor"
Ser professor nunca foi fácil. Durante séculos exigiu-se que o professor fosse um modelo de virtudes, e mais recentemente que desempenhasse as funções de um técnico, capaz de mudar os comportamentos e atitudes de todos os tipos de alunos.
Uma profissão impossível, como afirmava Freud?

Conceito de Profissão
Numa perspectiva sociológica o conceito de Profissão constitui o que podemos designar por um "constructo", dada a dificuldade em detalhar os seus atributos. Na língua portuguesa, o termo adquiriu um sentido muito amplo de "ocupação" ou "emprego". Nos países anglo-saxónicos pelo contrário, o termo é aplicado para designar as profissões liberais como "médico", "advogado" ou "engenheiro". Os atributos destas profissões, transformaram-se em requisitos para todas as atividades profissionais que tenham como objetivo constituírem-se numa profissão, tendo para o efeito que possuir:

  • Um saber especializado, aliado às práticas específicas que o profissional necessita dominar, adquiridas através de uma formação profissional estruturada;

  • Uma orientação de serviço. O profissional afirma-se perante outros que exerce a sua atividade por motivos altruísticos, não se pautando por interesses particulares.

  • Um código deontológico que determina e regula o conjunto de deveres, obrigações, práticas e responsabilidades que surgem no exercício da profissão.

  •  Uma associação profissional, cujo objetivo seria, entre outros, o de manter e velar pela ocupação dos padrões estabelecidos entre os seus membros.


    Muitos autores tem reagido contra esta tipificação, tomada de empréstimo às profissões liberais por a mesma ser demasiado estática, esquecendo-se as transformações que nas mesmas ocorreram, nomeadamente a sua integração em organizações burocráticas, nas quais os profissionais perderam grande parte da sua autonomia.

Especificidades
Como todas as profissões, a de professor possuí algumas especificidades.

  • É ponto assente que a mesma requer dois tipos de qualificações:

  • As "acadêmicas" (os saberes e saber-fazer que serão objetos de uma transmissão ou transferência);

  • As "pedagógicas" (as metodologias e técnicas que utilizam para o exercício da sua atividade profissional).
Apenas as últimas qualificações são teoricamente exclusivas do professor. A forma como as adquiriu e, a importância que lhes concede varia consoante o nível de ensino:
No ensino primário, como refere Philippe Perrenoud, as qualificações pedagógicas tendem a ser sobrevalorizadas em detrimento das qualificações acadêmicas.
No ensino secundário, pelo contrário as qualificações acadêmicas tendem a ser proclamadas como nucleares, já que são nelas que os professores deste nível de ensino baseiam o seu prestígio e afirmação da sua autonomia.
No ensino superior, as qualificações pedagógicas são desprezadas. Em resumo, quanto mais nos aproximamos dos níveis elevados do percurso escolar, mais são valorizadas as competências acadêmicas em detrimento das competências pedagógicas.

  •  A Educação para Freud faz parte do grupo das profissões impossíveis. O fim último da educação é ensinar a criança a dominar os seus impulsos, e por isso, o professor tem que inibir, proibir e reprimir.
Porém, esta repressão traz consigo o perigo da doença neurótica.
O professor vê-se assim perante um dilema insóluvel: escolher entre a repressão e a permissão, sabendo que em ambos os casos afetarão negativamente a criança. A única alternativa que lhe resta é tentar ajudar o aluno a sublimar o maior número possível dos seus desejos e a satisfazer apenas alguns, mas não todos. Mas a prática docente esbarra com outras graves limitações ao seu exercício.

O professor está permanentemente a ser confrontado com a questão dos limites da sua influência sobre os alunos. A reação destes está longe de ser controlada em todos os seus aspectos, sendo todavia esta em grande parte determinante para o seu êxito profissional.
Neste aspecto uma formação profissional adequada não é só por si garantia de sucesso profissional. O fracasso, como diz Philippe Perrenoud é constitutivo da profissão docente, mas o fracasso dos alunos é também o dos professores e do sistema educativo.

Numa profissão técnica, a competência não exclui, nem o erro, nem o sucesso, mas um e outro são excepcionais. Nas profissões que trabalham com pessoas é preciso aceitar, como uma "inevitabilidade", os semifracassos ou mesmo os fracassos graves.
Funções
Até meados dos anos sessenta, como escreveu Giles Ferry, a atividade do professor tinha como referência o modelo do "Bom Professor".
Este exercia uma função social transcendente, era um verdadeiro modelo moral e político, não apenas porque era tomado como um cidadão exemplar, mas também porque era visto como um sacerdote ao serviço do saber. A sua vida confundia-se com a sua missão. Ser professor era a manifestação de uma vocação ou missão transcendente, não o exercício de uma profissão.
Esta imagem foi destruída, não apenas pela massificação do ensino, mas também pelos estudos sociológicos que surgiram no final da década, primeiro na França, e na década seguinte na Inglaterra e nos EUA.
Estes revelaram que os professores estavam profundamente envolvidos em estratégias de poder, em geral, ao serviço das classes dominantes. Havia uma contradição insanável entre as suas práticas e os discursos que eram construídos sobre os professores. Ao serviço do poder dominante funcionavam como "ideólogos profissionais" (Althusser), "agentes de reprodução cultural" (Bourdieu & Passeron), ou "agentes de controlo simbólico" (Bernstein).


A sua ação estendia-se, contudo para além da esfera ideológica, exercia-se também no terreno da seleção social, onde escudando-se em critérios "neutrais", faziam uma sistemática eliminação dos alunos oriundos das classes populares, sobretudo à medida que os mesmos freqüentavam os níveis de ensino que se afastavam da escolaridade obrigatória. O professorado sentiu-se, então mais do que nunca descontente, percebeu que havia perdido o seu estatuto social de excepção, que o havia colocado acima dos conflitos mundanos.

Explorando as contradições sociais que percorrem as escolas, Stanley Aronowitz e Henry Giroux, vieram a público sustentar a vocação intelectual dos professores, mostrando que nem todos eram conservadores, muito pelo contrário, estavam empenhados na transformação da sociedade.
O certo é que a imagem do professor em princípios dos anos oitenta era tudo menos altruísta, ou descomprometida com estratégias de poder. Pelo contrário, os professores respiravam envolvimento político por todos os poros, isso mesmo o revelou Antônio Teodoro.

As Ciências da Educação não tardaram em descobrir as lutas internas que percorriam as escolas, onde os ganhos de uns significam perda para outros. As relações de poder são sempre a-simétricas.
É neste contexto turbulento que emerge um novo discurso sobre os professores, onde estes são encarados acima de tudo como profissionais empenhados na defesa do profissionalismo da sua classe.


O profissionalismo passa a ser a nova varinha de condão com a qual se irá resolver a questão do insucesso escolar, mas para isso, haverá que dar aos professores novos direitos e oportunidades para decidirem sobre o que melhor convém aos seus alunos.

Profissionalismo
O discurso do profissionalismo está hoje largamente difundido, sendo cada vez mais evidente que é sobre ele que se irá construir o novo ideal para a profissão docente.

Mais profissionalismo significa no novo discurso, maior sucesso das escolas, o que se traduzirá em maior desenvolvimento social e econômico. O profissionalismo esconde para muitos analistas, a nova estratégia de mobilidade social ascendente dos professores, com a qual pretendem alcançar um melhor status e mais poder. A conseqüência deste movimento tem sido o seu progressivo afastamento das lutas sindicais, a deslocação dos seus conflitos laborais para o domínio do exercício profissional, assim como a crescente exigência duma autonomia completa face ao Estado e aos seus mecanismos de controle, em nome duma melhor eficiência do sistema.

Philippe Perrenoud mostrou que não havia qualquer contradição de interesses a respeito do profissionalismo entre o Estado e os professores. É de mútuo interesse que este se desenvolva. Acrescente complexidade e diversidade das atuais sociedades, exige da parte dos professores uma mais ampla preparação profissional e maior autonomia para enfrentarem gravíssimos problemas tais como:

  • A concentração de populações de alto risco nas zonas mais desfavorecidas, os quais se tornam em zonas de educação prioritárias;

  • A diversificação cultural e étnica do público escolar, que põe em questão as didáticas e os métodos tradicionais de ensino;

  • A heterogeneidade dos saberes escolares, com uma enorme diversidade de exigências nos diferentes cursos;

  • A indefinição na divisão do trabalho educativo nomeadamente entre os professores e as famílias. À medida que se assiste à demissão das famílias da educação, crescem as exigências dos pais junto às escolas para que estas os substituam nas suas funções tradicionais;

  • A inflação e renovação rápida dos saberes, não apenas desorganiza os conteúdos dos cursos, mas também exige uma formação permanente dos professores;

  •  O desenvolvimento de "escolas paralelas" (comunicação social e informática), invadiu a sociedade não apenas com imagens, mas também com informação e formação, concorrendo diretamente com os saberes mais sistematizados e menos apelativos difundidos pelas escolas;

  • A perspectiva de desemprego, crise de valores, sociedade atual, que favorecem a degradação do trabalho escolar;

  • O alargamento da base de recrutamento social dos alunos para cursos mais exigentes, o que impõe metodologias de aprendizagem mais diversificadas, mas também professores mais aptos para liderarem grupos de alunos de proveniências e formações muito heterogéneas.

  • A diversidade destas situações e a sua premência social exigem não apenas um sistema de ensino muito descentralizado, mas também uma grande autonomia dos seus agentes.
A abordagem das culturas das escolas por Andy Hargreaves que revelou a questão da autonomia não é pacífica, dado que esta desencadeia, muitas vezes, efeitos preversos. A maior autonomia das escolas, não significa necessariamente maior autonomia dos professores. A autonomia é reduzida freqüentemente a uma mera questão de reforço do poder interno dos órgãos dirigentes das escolas. Esta posição tem tido apenas como conseqüência imediata a criação de novos mecanismos de controle dos professores.

O único objetivo destes órgãos, devido a uma lógica de afirmação interna e externa, tem consistido na ocupação e rentabilização de todo o tempo disponível dos professores, impondo-lhes unilateralmente mecanismos artificiais de colaboração e cooperação. O resultado final tem sido uma drástica redução do tempo que os professores dispõem para estarem com os seus alunos ou desenvolverem atividades inovadoras.

Desta forma, algo preversa, o aumento da autonomia das escolas acaba por produzir um maior isolamento dos professores e por gerar o aparecimento de exigências impossíveis de poderem ser cumpridas (reforçando os seus sentimentos de culpa), piorando deste modo a desmotivação dos professores e as disfunções das escolas. É bom recordar, como escreveu Rui Canário, a ação dos professores só em parte é determinada por fatores individuais e macro-sociais. Na verdade ela é fundamentalmente mediatizada pelas organizações escolares onde estes estão inseridos.

Estas desempenham o papel de filtros que deixam passar certas iniciativas e certas ações, mas não outras, segundo critérios que radicam nas suas lógicas de poder internas.
Conclusão
Utilizando os conceitos de Edgar Morin, podemos classificar a profissão de professor como uma profissão complexa, onde a incerteza, a ambigüidade das funções são o seu melhor traço definidor.

Para fazer face nesta dura realidade, o professor conta acima de tudo consigo próprio, ele é, não apenas observador, como o ator insubstituível da relação pedagógica. Contra a incerteza e as suas próprias carências, o conhecimento das "boas práticas" é neste aspecto importante como referência teórica, mas é preciso dizê-lo que estas raramente são transferíveis para outros contextos e outros atores.


É neste panorama complexo que hoje emerge o modelo dos "professores como práticos reflexivos", os quais envolvidos num processo de construção e desconstrução de saberes vão elaborando a sua própria concepção de profissão e das boas práticas. E este assunto merece ainda muitos desenvolvimentos.
Carlos Fontes

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